Falar por falar, para representar, apresentar, defender, cumprimentar, escolher, determinar, identificar, trabalhar ou seja lá o que mais for possível definir como utilidade a esta fabulosa dádiva humana. Entretanto, com a tal evolução humana, parece que, cada vez mais, a fala vem se tornando um simples objeto, função básica inerente ao homem e, costumeiramente, sem a devida importância. As pessoas falam, falam, falam, falam e não dizem porra alguma, lé com cré. A fala parece estar desconectada de qualquer função ou associação cerebral. É como se fosse apenas a combinação das vibrações das cordas vocais associadas ao ar existente na cavidade da boca, da garganta e do nariz; e, pior, geralmente parecem ter vínculo com o conteúdo do intestino grosso.
Ao se ligar a TV, o rádio, ao se prestar atenção nas conversas ao redor, seja em bares, restaurantes, coletivos, praças, recepções e até em ambientes “mais sérios”, o fluxo é quase sempre o mesmo: o refluxo! As palavras desconexas, sem concatenações, substâncias e soltas ao vento. As bocas e cus falam em similaridade emanando ventos fétidos e incompreensíveis. As palavras saem pelos cotovelos em epilepsias de grunhidos, nocauteando os queixos mais sensíveis e daqueles que deveras tem algo a ser dito. As falas viraram falos e fendas espremidas dentro de shorts apertados, golfos cerebrais freneticamente movimentados pela indispensabilidade de serem mostradas: “Hei, eu sei falar!”, “Olhem pra mim, eu estou falando!”, “Ouça o que eu digo, mesmo que o que eu digo seja o mesmo que todos os outros dizem e não faça sentido algum”.
O direito de falar tem sido deturpado e estuprado em todos os meios de comunicação existentes. Todos se acham no direito de falar o que sentem, pensam, acham e sabem — e, realmente, têm esse direito, mas não sabem usá-lo. O fluxo de informações é devastador, e mais devastador ainda é a quantidade de repasse, réplica, tréplica, cópias e afins daquilo que não se tem certeza ou do que se pensa em absoluta certeza que se tem certeza. Podcasts, youtube, blogs, vlogs, flogs, tuítes, caralhitis, etc. A coisa está tão louca que até o silêncio de hoje fala! Quando as pessoas estão em silêncio, elas estão falando por meio de seus aparatos tecnológicos. Experimente fazer uma busca simples sobre qualquer informação básica. Vai ser encontrado milhares de retornos dizendo a mesma coisa, milhares de retornos com a opinião “certa” de quem escreveu e ainda milhares de outras coisas que se contradizem. “Coisificação!”. Tente também fazer uma busca sobre algo substancial e perceba que a superficialidade se tornou algo tão denso e profundo que mergulhou nas entranhas do íntimo. E, para isso, há milhões de informações “especializadas” na rede, onde uma legião de deuses da psique vomitam artigos, crônicas, resenhas e dicas sobre como conhecer as profundezas do ego e afins, onde, no fim das contas todos dizem a mesma merda em privadas diferentes, onde o que se aproveita é, no máximo, um amendoinzinho, uma ervilha ou um milho verde não digeridos. São psicanalistas, psicólogos, psicoterapeutas, sexólogos, fudedores, artistas, poetas, designers, arquitetos, filósofos, pensadores, sociólogos, paisagistas, coachfecais, holísticos, religiosos, jornalistas, enfermeiros, etc, etc e etecetera. Todos a serviço do nada!
Já não faz mais sentido elaborar a fala, ter o prazer em expor o que se pensa, de escutar o outro com atenção, carinho, zelo e dedicação, sem apenas repetir o sofrimento alheio ou beatificá-lo diante do seu, que sempre é mais desgraçado que tudo. Está tudo ao furacão da futilidade, às brisas insensíveis da razoabilidade e dos direitos alheio e próprio de ser o único dono da razão. A fala se tornou um condimento do homem, um peido bucal que incomoda ou ninguém percebe; que só tem serventia quando o único ouvinte é o seu interlocutor. E não é de agora que “eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada!”, então, optei por ficar surdo e cego para tentar entender algo, pois “O mal é o que sai da boca do homem”.