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Esquenta - O congelamento de uma nação já estagnada

Atualizado: 4 de mar. de 2021

Nos primeiros programas Esquenta, comandado pela cativante Regina Casé, achei interessante a proposta e sentei-me para assistir, mas logo desisti, por se tratar apenas de mais do mesmo, com um forte apelo sociológico, sem abranger todo o grupo social de um determinado lugar (como sempre foi e será). O programa delimita a cultura da favela com o que sempre foi apresentado na mídia, porém, como algo construtivo, "autoestimativo" e até filosófico — Por que será? De repente se invertem os papéis, de uma forma "consciente", bondosa e não desconfiamos de nada?! O objetivo do programa é divulgar, mostrar, dar oportunidade à cultura do morro, favela, subúrbio, periferia, etc. Mas sempre o que chega às lentes das câmeras é o que já é "popular". Ao assistir qualquer edição do programa, a ideia que se tem de favela é: "Conjunto de edifícios e casas, voltados prioritariamente para habitação, de construção precária, muitas ilegais, onde os moradores pintam os cabelos de loiro, usam batidões, trajes coloridos, e as mulheres usam somente shortinhos ou microssaias e passam o dia malhando, rebolando e sonhando em aparecer na TV. Todos respiram, vivem e só escutam funk, funk, funk, funk, samba, pagode, pagode, pagode e algumas outras coisas intelectualmente semelhantes.".


Outro programa que tem a mesma vertente, o Caldeirão do Hulk, faz o mesmo. Na última vez que o escutei, o apresentador disse com tom de maestria: "Goste ou não goste, mas, se é sucesso, aqui toca!". E, em seguida, entraram no palco cinco garotas em seus shorts-cintos e começaram a rebolar a bunda e pronto! Isso é sucesso!? Aqui é! E todos os brasileiros, principalmente os moradores do morro, favelas e periferias, têm que amar aquilo e somente aquilo. Poxa! Como querer que uma nação, que não tem capacidade intelectual e discernitiva para escolher seus governantes, escolha algo "bom" para se entreter? Não entremos no conceito de "BOM"; cada um escolhe pra si o que acha bom, e pronto! Mas por que não divulgar a amplitude da cultura, já que esse é o objetivo? Para dar oportunidade ao povo de conhecer e ter acesso a um menu mais abrangente de opções, aumentando as chances de optar por algo com mais conteúdo. Por que sempre paçoca de amendoim, doce de amendoim, pudim de amendoim, pasta de amendoim, amendoim torrado e amendoim cozido? quando temos uma vastidão de "grãos culturais"? Que medo é esse de que o povo se conscientize de que há vida além do que a mídia mostra?


Cadê o cara que mora na favela e toca violino? A dona de casa que ensina piano e sonha em tocar numa orquestra? O estudante que aprendeu a falar várias línguas sozinho? O artesão que faz peças maravilhosas? As bailarinas e dançarinas de verdade que sustentam a arte sem seus órgãos genitais e glúteos? Os compositores do morro que fazem músicas pra alma? A senhora que ganha salário mínimo, mas mantém uma pequena creche em sua própria casa? A assistente social que arrisca a vida para tirar as crianças da mira das drogas? Os bons policiais que fazem seu trabalho e ainda moram no morro? Os artistas plásticos que cobrem as paredes e escadas dos morros de cores e alegrias? A professora de tango, valsa, salsa, etc? Os cordelistas, poetas, repentistas? As bandas de pífano, merengue, polca, grind, speed, thrash, hardcore, black metal, splatter, grunge e todos os outros ritmos não explorados pela mídia? O cara que nunca estudou, mas conseguiu abrir seu próprio negócio de sucesso? A mãe que trabalha em três locais para conseguir pagar o treino da filha esportista? A galera do audiovisual que faz arte com recursos próprios? A trupe de teatro, o violonista, percussionista, o escritor? Cadê?! Cadê?! Continuam e continuarão no mesmo obscuro lugar de sempre, pois, quando uma parcela mínima disso é mostrada, é no esquema: “coloca isso aí, pra não ficar tudo igual.”.


O exposto aqui não é qualidade duvidosa da cultura que nos empurram a todo sempre. Isso nunca alguém vai mudar. É sobre a potência dos interesses da mídia. O poder que ela exerce sobre todos que sentam, ou não, fronte as suas lentes. O Brasil e a nação brasileira jamais serão uma nação plena de virtudes e liberdades, pois, apesar do calor infernal que se faz aqui, estamos sobrepostos por camadas e mais camadas densas do mais puro e impenetrável gelo da ampla ignorância e do comodismo.

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