Saiu da desgraça do trabalho com uma dor de cabeça da desgraça; também pudera, a desgraça do chefe falou o dia todo da desgraça da folha de pagamento que não bateu por sessenta e dois centavos. A desgraça de sessenta e dois centavos! E, sobre a desgraça da promoção prometida, nada comentou. Qualquer dia estoura e manda aquela desgraça para a casa da desgraça. Com a desgraça do carro na oficina há quase 10 dias, passou cerca de 40 minutos no ponto, esperando a desgraça de um ônibus, no qual não se tem o direito a uma viagem decente. Depois de embarcado, uma desgraça ligou o som, tocando uma desgraça que insistem em chamar de música. Ele colocou o fone de ouvido, tentando viajar em Devorak no mais alto volume, isso até a desgraça da bateria descarregar e a desgraça do engarrafamento crescer ferozmente. Durante o percurso, entraram cerca de 720 baleiros vendendo a mesma desgraça e aproximadamente 433 pedintes, que contaram suas desgraças das formas mais variadas, mesmo sendo todas iguais; duas mulheres sentadas atrás dele falavam alto como a desgraça, sobre as desgraças que viram nos jornais sensacionalistas logo de manhã cedo. “Essas desgraças ficam assistindo desgraças e depois chamando por Deus.” — pensou. O passageiro ao seu lado estava no sono da morte, bêbado e fedendo feito a desgraça, e, a cada curva feita, o bêbado morria pra cima dele; o motorista, que estava com a razão, fechou a desgraça de um carro, cujo motorista, também estava em sua razão. “Todo mundo tem razão, todo mundo está certo. Por isso que o mundo está nessa desgraça, totalmente errada.” — pensou quase alto. Depois duma confusão da desgraça, tudo se resolveu, e nenhuma desgraça aconteceu. A viagem seguiu, e, quando chegou sua hora de descer, o motorista não escutou, ou não quis escutar, a desgraça da sirene que ele havia puxado, e o deixou dois pontos depois do seu local correto. Desceu virado na desgraça e voltou com passos largos, quase correndo, para alcançar a desgraça da padaria aberta. Quando chegou ao estabelecimento, um funcionário mal humorado acabava de fechar a porta rolante. Implorou feito a desgraça, para o deixarem entrar. Já dentro, agradeceu ao desgraçado, e seguiu para o balcão de pães, onde não havia sequer, farelo de pão fresco. Optou pelos pães já ensacados. Pegou algumas frutas, de forma rápida, e seguiu para o caixa. A desgraça do sistema de cartões estava inoperante. Deu uma nota de cem reais. Como era fim de expediente, tinha troco fácil, mas, mesmo assim, a caixa não deixou de condená-lo com um olhar raivoso. Seguindo para casa, mesmo antes de passar fronte ao bar, já ouvia aquelas desgraças sonoras, vindas dos carros dos jovens retardados, que o impediam de dormir tranquilo. Não havia desgraça alguma que pudesse ser feita contra a situação, já que, toda vez que ligava para a desgraça do órgão competente, nunca resolviam desgraça alguma. Nem à desgraça da TV se conseguia assistir, devido à desgraça do barulho.
Logo após o bar, avistou Dona Eliete, que fica o dia todo na desgraça da janela tomando conta da vida alheia. Cumprimentou-a com uma mexida de orelha e seguiu, já buscando a chave do portão dentro da sacola. Nervoso, revirou a sacola com truculência em frente ao portão. Dona Eliete, em vez de abrir a desgraça do portão, olhou pra ele e disse, com aquela cara de desgraça: “Esqueceu a chave de novo?”. “Sinha desgraça...” — pensou enraivado. Finalmente achou a chave, mandou Dona Eliete tomar no cu, mentalmente, e, enquanto subia as escadas, a desgraça do saco plástico rasgou, e as desgraças das frutas despencaram escada abaixo. Respirou fundo, deu uma “desgraça” silabada, e após tudo catado, subiu mais um lance de escadas, num cansaço da desgraça, para finalmente chegar à porta de casa. Colocou a chave na fechadura, e a desgraça emperrou. Invocou a Santa Desgraça dos Aflitos e finalmente conseguiu abri-la.
Ao entrar, retirou os sapatos, deixou os sacos sobre a pia, deu um forte resfôlego e visualizou sua linda esposa, sentada, lendo seus livros de arquitetura, que ele não entende desgraça alguma, e sua filha pequenina, de olhos índigos e inocentes. Ela correu em sua direção com o andar trôpego e fraldas folgadas, e com seu sorriso banguelo, disse: “Bapai, te momô, te momô!”, que, em sua língua lisérgica infante, quer dizer: “Papai, te amo, te amo!”. Aí, um largo sorriso brotou de seus lábios. Fechou a porta, lavou as mãos, encheu uma xícara de café, beijou a testa de sua esposa, carregou a pequenina no colo, sentou na poltrona e esqueceu todas as desgraças do mundo lá fora.