Tomei uma grande decisão em minha vida. Já havia tentado — eu falei: “tentado” —, fazer isto várias vezes, não sei quantas, centenas, talvez, mas agora é definitivo. Tenho que parar, pra valer, de agir por impulso. Não sou mais nenhuma garotinha que possa ficar correndo os riscos imprevisíveis das consequências desastrosas e muitas vezes permanentes, de ações tomadas pelo momento, pela emoção e nunca pela razão. C-h-e-g-a, c-h-e-g-a! Vou dar um basta nisso. Praticamente tudo o que construí e, principalmente, destruí na vida foi em função do impulso. Uma decisão tomada em segundos pode ocasionar sequelas para toda a vida. Não aguento mais viver assim. Ou paro, ou minha vida vai se transformar num calabouço sem rumo de exasperações e perdições.
Foi pelo maldito impulso que, quando criança, taquei fogo no meu quarto, porque minha mãe não deixou que eu o pintasse de verde-fluorescente. Fiquei sem quarto, dormi na sala por três meses e de castigo por seis, até que o reformassem. Foi por impulso que decidi que ia conquistar meu grande amor, Teobaldo, na 5ª série e fiquei nua na sala, aduzindo a vagina com meia dúzia de pentelhos a ele e a quem quisesse ver. Fui expulsa do colégio, e minha mãe, que era secretária, quase foi demitida. Foi por impulso que perdi a virgindade. Todas as minhas amigas já tinham perdido, e eu resistia. Na verdade, não tinha nem ao que resistir. Eu simplesmente não sentia vontade alguma de fazer ou conhecer esse tal de sexo, mas, um dia, me danei e resolvi dar. Lá se foi meu sagrado cabacinho com um estudante gordo do curso de Física, com a cara cheia de espinha e que, após cinco minutos suando feito um porco sobre mim, gozou e disse que me amava. Só de pensar que poderia tê-lo guardado para um empresário rico ou jogador de futebol para nunca mais ter que trabalhar... me dá uma dor lá embaixo. Foi por impulso também que aceitei, depois de três anos de namoro, o pedido de casamento de Norato, meu ex-marido. Foi por impulso também que abortei depois de casada. Estávamos nos prevenindo, mas algo deu errado, eu não queria ter filho naquele momento, precisava terminar a faculdade e estava subindo de cargo na empresa. Uma gravidez só me atrapalharia. Foi por impulso que, alguns anos mais tarde, resolvi, a todo custo, ter um filho e, após inúmeras tentativas, tratamentos, banhos, garrafadas, macumba e exames, descobri que me tornara estéril por uso desenfreado de remédios que, por impulso, tomava aos montes. Foi por impulso que, quando meu casamento não andava lá essa coisa toda, resolvi ter um amante e dei bola para Claudionor, colega de trabalho. Antes tivesse virado freira; aquele homem foi uma desgraça em minha vida. Se for arranjar um amante, nunca o faça no ambiente de trabalho. Foi por impulso que acordei e falei: “Norato, quero me separar”. Na outra semana, acordei e comprei um apartamento poente, porque li, numa revista de R$1.99, que o sol trazia boas e necessárias energias para revigorar a alma e manter a plenitude. Um inferno! Não havia quem ficasse nele por mais de uma hora sem molhar a camisa de suor. Até à noite batia sol. Foi por impulso que resolvi aceitar a morte como parte natural da vida, como o término inevitável de um ciclo, e comprei um jazigo no cemitério mais caro de Salvador; e foi pela “inaceitação” do mesmo motivo, que mandei blindar os vidros e pneus de meu carro. Onde já se viu?! Um carro popular cujos vidros e pneus valem mais que o próprio carro! Foi por impulso que, ao passar umas férias em Bariloche, na Argentina, comprei várias roupas de frio, quando na Bahia o sol marcava 35ºC. Isso na rua, porque, dentro do meu apartamento poente, chegava a uns 45ºC. Se eu tivesse vendido minha alma ao Diabo, ele jamais iria naquele inferno buscá-la. Foi por impulso que comprei uma casa de praia, onde após cada lufada de vento nada ficava no lugar e entrava areia até no meu útero. Foi por impulso que, numa parada gay, ao ouvir alguém em cima do trio elétrico gritar no microfone: “A Bahia é gay, você também é gay”, eu, bêbada, com amigos heterossexuais, respondi lá de baixo: “Uhuuuuuuu! Eu também sou gay”, e, logo em seguida, quando os procurei, já não estavam mais lá. Então acordei com uma ressaca desgraçada, ao lado de um clone da Elke Maravilha. Foi por impulso que resolvi fazer terapia e, logo depois abandonar, quando a psicóloga insistia que todo meu comportamento tinha relação com repressão sexual e ódio a minha mãe. Foi por impulso que desisti de minha profissão de administradora e, até hoje, não descobri o que quero ser de verdade — bem que me disseram na época da faculdade: “administração é para vagabundos e para quem não sabe o que quer”. Foi por impulso que comprei um celular top de linha para poder instalar um programa de troca de mensagens instantâneas, mas não tinha com quem conversar e eu mal sabia qual botão apertar para atender as ligações. Foi por impulso que vendi, feliz da vida, meu apartamento poente pela metade do preço e voltei a morar com minha mãe e descobri: odeio minha mãe! — psicóloga filha da puta!
E não é mais por impulso que aproveitarei minha energia descomunal e inquietante. Para provar que estou finalmente preparada para parar de agir desta forma leviana e insegura, já tomei todas as providências: vendi o carro, sem vidros e pneus (não achei quem pagasse por eles) e a casa de praia; mandei minha mãe para um asilo (asilo não, casa de repouso) — ou fazia isso, ou a matava; cortei o cabelo bem curtinho e pintei de vermelho-cereja; coloquei um piercing no umbigo; uma tatuagem nas costas, escrita: “Liberdade”; virei vegetariana; troquei todo meu guarda-roupa; rasguei tudo que me lembrava o passado, e prontinho. Agora sim! Não agirei mais por impulsos.