top of page
Foto do escritorInFeto

Dawson’s Creek – Hormônios adolescentes da maturidade


Seis de fevereiro de 2022, eu poderia estar roubando livros na casa de amigos, bebendo goles de 4,5% de álcool em garrafa e borrifando álcool 70% nas mãos em algum bar limpinho, fazendo faxina, ouvindo solfeggios para enriquecer, crescer o pau e ter paz mental, desenvolvendo técnicas masturbatórias ou seduzindo senhoras, encarando o dominical almoço em família, mas não fiz nada disso. Aproveitei os sintomas gripais aliado à caganeira que já duram três dias para me dedicar a apoiar o saco escrotal com mão esquerda, me apoderar do controle da TV e maratonar os últimos episódios que faltavam para terminar a saudosa série Dawson’s Creek, que vi pela primeira vez ainda na pós-adolescência quando exibida na TV; depois, lá pelo meio dos 20 e pouco anos, numa fase em que estava rebuscando minhas referências, aproveitei que um amigo conseguiu comprar toda a série em DVDs, de uma locadora que estava fechando, e peguei aquele combo para revisitar Capeside e os seus moradores. E agora, com 40 anos no bucho e na cara, com o nome no SPC e na caderneta do bar de Bigode, recusando cerveja quente, durante a terceira guerra mundial (leia-se pandemia, se você ainda não sacou) e em plena lucidez (minto); e para contornar a minha incapacidade de escolher itens em menus, optei por Dawson’s pouco depois de ser disponibilizada na Netflix. Foi o destino, tecnologia, incapacidade, preguiça e nostalgia.

A série é perfeita? Não meus caros, não é! Tem aquela putaria daquele lenga-lenga de um triângulo amoroso de adolescentes eunucos e cheios de hormônios; tem uns episódios fora do eixo que são marcadores para os filmes de terror do criador da série (Kevin Williamson); tem os episódios fábulas, que soam como os finais de He-man, mas sem ter toda a ação anterior; tem diálogos que as questões existenciais adolescentes ultrapassam a geriatria filosofal; tem personagens poup-ups que não tem utilidade alguma; tem a masturbação precoce enfadonha que envolve os principais personagens; e tem ainda outras coisas “chatinhas”, mas perder a magnitude desta série por contas das coisas “chatinhas” seria como deixar de ver um show dos Beatles, porque o som não estava legal. OK, eu acho Beatles chato pra caralho, foi só para ilustrar e agradar. Ao modo InFetiano ficaria: seria como deixar de ver um show do Napalm Death, só porque o som não estava legal. Sigamos.

Não me lembro de muito do que absorvi da primeira vez que vi a serie, mas marcou, ao ponto de querer rever e, do amigo que me emprestou os DVDs se tornar um dos meus melhores amigos. Dawson’s me ajudou tanto com amigos ficcionais, como com os reais. Na segunda apreciação me lembro de preparar todo um cenário para vê-la: esperava meus pais dormirem, para poder apagar as luzes, abrir o combo de DVDs originais que me foi confiado e bum! Lá estava eu em Capeside, dentro do quarto de Dawson Leery. Assistia dois ou três episódios que depois eram resenhados via telefone ou no bar, com esse amigo. Foi ali, naquela segunda visita que tatuei o nome da série em em minha bunda. Agora, quase 20 anos depois, a revisitei com o olhar inquieto, mais maduro sobre a parte chata e mais adolescente sobre a maturidade contida na série. Gente! Ser adolescente é a primeira tragédia que todo ser humano que alcançar a idade adulta vai passar. E se você passou por essa tragédia ileso, é sinal de que você não foi adolescente, não viveu as fraturas e queimaduras de vários graus causadas pelo borbulhar dos hormônios. E, minha adolescência foi menos trágica, sobretudo, por conta da Arte, e dentro dela está em negrito Dawson’s Creek, pois foi nela que tive alguns medos compreendidos, respostas que nunca me foram perguntadas e a intelecção de saber que se você estar sozinho na vida real, na ficção há quem lhe faça companhia. Não é muito saudável essa ideia, mas acredite, ela salva vidas, ou ao menos, ameniza muito a dor do crescer só, vagando no universo de inadequações, sem arrumar um porto seguro para gritar “Peraí, caralho! Para esta porra que eu quero descer”.

Se você acha que a serie é só prolixa, que são “personagens adultos no corpo de adolescentes” – essa é a preferida dos donos da razão nos cursos de roteiro –, é porque você teve uma adolescência fácil por algumas razões e, entre elas, é que, simplesmente, você não compreende a necessidade existencial dos Peaces, Dawsons, Joeys… da vida, o que significa que você encontrou a sua turma e cresceu com os coleguinhas certos, sem preocupações além de pelos pubianos, boletins, tretas e mesadas. Ponto para você! Siga neste curso e sua vida vai ser bem mais leve; entretanto, se você se identifica com o emaranhado dramático – muitas vezes desnecessário? Sim! – é porque você foi danificado por alguma sequela mental que te tirou dos trilhos e por mais que se esforce, não é tarefa fácil voltar. Daí corre-se o risco de se preferir ver uma serie do que estar com as pessoas ao seu redor. Se isso te ocorreu... você estava/á fudido! Não é por conta da serie ser maravilhosa, mas por ser nela que algumas das verdades das quais você necessita estarem lá.

Eu sou os erros cometidos por Peacy Witter atrás de acertos; Eu sou o cabacismo paunocudiano de Joey Potter, que enche a porra do saco, mas por estar presa no que o mundo não a ofereceu; Eu sou a inocência, a docilidade e os sonhos de Dawson Leery; Eu sou o deslocamento rebelde da Jen Lindley; Eu sou o medo da vida de Jack McPhee; Eu sou a necessidade de tomar chá com biscoitos na casa da vovó; Eu sou o que em grande parte não tive e encontrei na Arte. Então, depois de “trêsver” a série, me fiz o compromisso de revê-la daqui a 20 anos (se essa porra não virar, olê…) e realcei a tatuagem na bunda escrito Dawson’s Creek, pois eles foram alguns dos adolescentes adultos que sempre vão estar em mim. Como diz Dawson em seu derradeiro episódio “É interessante que as pessoas usem essa expressão, vida e morte. Sabe, como se a vida fosse o oposto da morte. Mas o nascimento é o posto da morte. A vida não tem oposto”.Vejam a série. Não é uma série adolescente. É uma série sobre a vida!
10 visualizações
bottom of page