— Como é que está Nicinha, meu amigo? — perguntou Roserval, ajeitando as coisas, no pequeno quarto que servia de camarim improvisado.
— Está cada vez pior, mas sabe? Às veiz, ela reage, e eu chego a pensar que ela tá bem melhor.
— Mesmo?
— Sim, acorda tão bem, liga seu radinho. Mas aí do nada, se dana a berrar de dor e a chorar, pedindo para Deus levar ela. Nessas hora penso até besteira, num sabe Roserval... penso, que o melhor de ser feito, seria Deus escutar o pedido dela.
— Não diz isso Ferdinando. — disse pondo a mão em seu ombro, tentando reconfortá-lo.
— Eu sei que é besteira, mas tudo parece tão ruim, às veiz, eu penso que tudo vai dar errado. Penso em sumir de vez, num sabe... Deus que me perdoe, mas os gritos que ela dá, parece os de um animal sofrendo.
— Imagino, meu amigo, o que você esta passando. Faz quase dois anos que acompanho essa sua labuta, desde o comecinho.
— A Shirley, minha filha de 18 anos, perdeu o emprego e agora tá lá desempregada, com dois filhos e aquele marido imprestável, que não serve para nada. Sheila com 14 anos, tá grávida e nem sabe quem é o pai, se sabe não quer falar. Minha artrite dói cada vez mais. Tem veiz que nem consigo trabalhar. Todas as junta dói demais.
— É o peso da idade, meu amigo, a idade e a vida nos cobrando o que não podemos dar.
— Minha véia está presa naquela cadeira de rodas. Tem dias que chego lá, tá toda suja. Aí tenho que dar banho e limpar. Eu não estou aguentando mais. Tá muito difícil para mim... tá demais... Os gêmeos, vão vir hoje?
— Já tão aí fora... Mas não tem quem fique com ela? Você vai usar esse? — perguntou, mostrando um suspensório verde de bolinha lilás.
— Não, já tô com o outro, aqui por dentro. Ter, até tem, afinal é 11 filhos, mas ninguém quer assumir. De vez em quando, alguém aparece lá, leva umas compra e some. Pedi dinheiro pra mode colocar a mãe num asilo e ninguém se manifestou. A casa tá toda rachada e cheia de goteira. Essa última chuva que deu, um barranco desceu lá, e quase que nós morre tudo dentro de casa. Acho até que seria melhor.
— Nunca mais fala essa besteira. Tá me ouvindo? Nunca mais! — falou sério, olhando em seus olhos, enquanto retocava sua maquiagem.
— Desculpa, mas é que eu tô que não me aguento de tristeza.
— E seus filhos homens?
— Você não soube?
— Não. O que teve?
— Seu Roserval, tá tudo certo. – disse pelo canto inferior da cortina, o anão chamado Pipoca.
— Só mais um pouquinho, Pipoca. Segura aí.
— O Sandro foi solto, já tá em casa, mais uma boca para alimentar, logo, logo deve voltar a fazer besteira. E o Sandoval tá com essa doença aí da moda: depressão. Só fica trancado no quarto escuro, deitado. Não dá um prego numa barra de sabão e os remédios, que a doutora passou, são tudo caro e nos posto de saúde não têm, nunca. Às veiz, o tadinho fica com uma cara, que chega dá pena.
— Oh meu amigo, eu queria puder fazer algo mais por você.
— Você já me ajuda muito Roserval, conseguindo esses bico aqui.
— Imagina. Isso não é nada. Saiba que sempre que for possível, a casa aqui é sua. Pode contar comigo.
— Obrigado.
— Acho que tá na hora, já está tudo pronto.
— Vamos lá.
Eles se abraçaram. Antes de sair, Roserval segurou-lhe pela peruca azul e disse:
— Que dias melhores te cheguem, meu amigo. Atravessou a cortina, pegou o microfone na mão de Pipoca e anunciou:
— E agora criançada, com vocês: PALHAÇO FELICIDADE! — A criançada aplaudiu fervorosamente.