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Simbas – um dos maiores frontmen vivos do rock



PREFÁCIO/INTRODUÇÃO
Há um fenômeno “enérgico-espiritual-artístico” que acontece comigo, ao qual eu costumo chamar de “Caboclagem”. Eu explico: é quando, de repente, fico tarado, fascinado, louco por um artista e sua obra e, mesmo já conhecendo tudo ou quase tudo, o caboclo daquele artista me pega e exige que eu passe dias, semanas e até meses revisitando toda a sua obra, buscando coisas novas, versões, covers, remasterizações, entrevistas, fotos, nudes, fofocas, diários, rascunhos, exumações e afins. Isso me ocorre desde os 20 anos. Já fui “encaboclado” por muita gente: Cazuza (até emagreci e tive febre); Peter Steele (até a revista do cara nu eu vi), Kurt Cobain (ouvi todas as demos das demos horríveis que o cara gravou e li todos os rascunhos de seus diários que pude achar), Jim Morrison (só parei quando li uma biografia horrivelmente mal escrita que fez o caboclo evaporar), Frank Zappa (parei quando percebi que ia ter que passar o resto da vida ouvindo-o para poder escutar toda a sua discografia), Carlinhos Hartlieb (deu um puta trabalho “me livrar dele”, acabei em um site sobre aracnídeos), Clementina de Jesus (passei a lavar roupa na mão cantando e ouvindo ela), Noel Rosa (simulei com um filtro de celular como seria se eu tivesse o mesmo queixo dele), Zé Rodrix (botei na cabeça que tocaria teclado e seria um viajante musical desbravador de interiores), Aracy de Almeida… e não pensem que o beneficio é só para os que já capotaram deste mundo miserável. Há o “encaboclamento” dos que ainda estão aqui presentes; entre esses posso citar Almondegas, Lobão, Ângela Ro Ro, Zé Ramalho, Radish, Obituary, Black Sabbath, Wanderléa, Glauber Rocha, Ave Sangria, Guilherme Arantes, Carcass, Morbid Angel, Planet hemp e bandas e artistas do subunderground, que só gravaram em coletâneas, daí desembesto a querer saber onde estão os caras atualmente e em quais trabalhos, se estão participando ou participaram de outros projetos.

O caboclo da vez está, inclusive, na seara dos vivos. Eu simplesmente acordei com o caboclo da fuderosa banda Casa das Máquinas. Levantei alegre, arrochei o short do pijama, meti dancinha sensual e fui até o banheiro cantando “Vou morar no ar”. Uma amiga havia esquecido em minha casa lápis para olhos, usei como batom e fui fazer faxina. O foda foi que o vizinho viu, mas ele que se fôda! Daí em diante, a máquina não parou: revisitei tudo, ouvi meus discos como quem ouve a vizinha gostosa trepando no apartamento ao lado; CDs, plataformas digitais, shows. Fui ver quem já tinha passado pro lado de lá, as tretas, vi entrevistas com os ex-integrantes que ainda estão em atividade e, no meio disso tudo, houve uma transmutação, pois a “caboclagem” debandou para o Simbas, que foi vocalista da Casa das Máquinas e gravou uma das obras-primas do rock mundial, que é o disco Casa de Rock, de 1976. Partindo da repetição constante desse disco em meus ouvidos, eu passei a tentar dissecar a vida artística do Simbas. Então as próximas linhas são dedicadas ao Casa das Máquinas, mas especialmente ao Simbas, que foi, é e sempre será um dos maiores frontmen do rock brasileiro e mundial.

ESCUSAS
Vale citar que este texto é um ato de pesquisa de fã e amor pela Arte. No entanto, como as fontes são várias e variadas, sendo a maioria de falas em entrevistas, o que corrobora para falhas de memórias e compreensão. O próprio Simbas faz alguma confusão acerca das datas e ordem das bandas e projetos pelos quais passou, afinal, foram muitos e há muito tempo. Estamos falando de lembranças do final da década de 60 em diante, então não posso afirmar que este seja um texto absolutamente correto em sua cronologia, mas foi o melhor que pude fazer. Tentei contato com o próprio Simbas e outras pessoas que poderiam sanar as dúvidas e conflitos que apareceram, para poder selar o texto, mas não obtive sucesso. Sendo assim, o espírito punk falou mais alto, então: “Faça você mesmo e com o que tem. Foda-se!”. Desta forma, segue uma quase biografia de um dos maiores frontmen vivos do rock brasileiro!

NASCIMENTO E PRIMEIROS PROJETOS | (1952 – 1969)
Simbas nasceu Nivaldo Alves Horas, em 18 de maio 1952, no largo do São José do Maranhão, próximo a Favela do Pau Queimado, em São Paulo-SP. Filho de mãe mineira, pai pernambucano e descendente de indígena. Por volta dos 10 anos, já demostrava talento artístico, fazendo no colégio, imitações de artistas como: Santana, Rolling Stones, Elvis Presley, Johnny Cash, John Cooker, Beatles, James Brown e outros. Mas foi quando, por volta dos 12 anos, ao se mudar com a família para região da Moca, que começou a dar os primeiros passos a sua carreira artística, pois foi lá que teve contato com a primeira banda da qual fez parte, denominada Os Adolescentes, a qual teve uma breve passagem, pois na época, o destaque principal era para as “bandas de baile”, onde todos cantavam e tocavam um instrumento. Não havia “bandas de bailes” com vocalistas que não fossem instrumentistas, então como o ainda Nivaldo passou a se destacar como vocalista sem tocar um instrumento, foi convidado a se retirar da banda.

Passado esse período, o jovem Nivaldo, que nesta época ainda não era Simbas, por volta dos 14 anos, foi levado por um primo para fazer parte de uma banda formada somente por japoneses, com exceção do baterista e dele. O nome do grupo nas citações em entrevistas tem uma sonoridade de “Apuk, Hapuque, Hapuk, Apuki”¹. Desse período, que seria a segunda experiência dele com banda, foi que surgiu o apelido “Sinbad/Simbad/Simbá”, dado pelos colegas do grupo japonês, fazendo alusão a uma revista em quadrinho da época chamada “Sinbad/Simbad/Simbá – o marujo”. Mas na frente esse apelido vai pegando e mudando até converter Nivaldo Alves Horas no eterno Simbas.

Apesar da mistura cultural e de lhe render o seu apelido, o Apuk… não prosperou e depois dele “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá” passou pela banda Holly Fivers, que virou Apolo 4, que virou a famigerada C.A.P.O.P (Cagando e Andando Para a Opinião Pública)², nome originado de uma discussão para escolher um novo nome para a banda da qual fazia parte, onde depois de uma rodada de nomes, alguém se cansou e falou “Ah, que porra de nome! Eu to cagando e andando para nome e para a opinião pública…”, então assim nasceu a C.A.P.O.P, que foi a fase que iniciou pra valer a vida profissional do Simbas, pois nessa época ele começou a ganhar dinheiro com a sua voz, se apresentando em bailes na noite paulistana em locais como Cruzeiro do Sul, Vila Síria, Ponte Rasa, Jardim de São Carlos, Mogi, Tatuapé, Ruy Barbosa, Rio Branco, Esportivo da Penha, etc. Neste período, por ainda ser de menor, foi preso diversas vezes nas fiscalizações pelo Juizado de Menores, onde era conduzido a 10ª Delegacia, e lá era retirado por seu pai, muitas vezes debaixo de porrada. Foi nessa época que “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá” conseguiu o seu primeiro grande feito na vida: por meio da sua arte conciliado com o dinheiro dos bicos que fazia em farmácias, sapatarias, tinturaria, etc, conseguiu comprar um carro zero. Comprou o carro sem saber dirigir e sem ter carta, pois ainda tinha 17 anos. Além de pagar a vista, pediu ao vendedor, que deixasse o carro estacionado na porta da casa em que morava com a sua família. Isso despertou a fúria do pai, que era taxista, e estava enlouquecido por ter um carro “em sua vaga”, bem em frente a sua porta e o pior: o carro não saia de lá. Depois de revelado que o carro era do filho, o pai então, não só aceitou a estrada a ser trilhada por ele, como passou a incentivá-lo e a ir pegá-lo na 10ª Delegacia sem reclamar com o filho.

“SEGUNDOS” PROJETOS | (1969 – 1975)
Depois do feito automobilístico e início profissional da vida artística, “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá” continuou fluindo entre a noite rockeira paulistana. Após o C.A.P.O.P. foi convidado para entrar numa banda chamada Som Positivo, que virou Hydra e depois o Mountry³. Nessas transições há coisas importantes a serem ditas:

1) Nesse período (início dos anos 70) o “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá” havia começado a fazer teatro e dança com Ruth Escobar e estudos com alguns dos maiores formadores e profissionais dessa área na época: Ismael Ivo, Marilene Silva, Dzi Croquettes, etc. Foi nesta época que “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá”, descobriu o seu poder corporal aliado a sua possante voz;

2) O Mountry por ser uma poderosa banda com alguns dos melhores músicos da época, era uma banda requisitada e costuma a acompanhar outros artistas para fazer shows, ensaios e gravações. A banda chegou a ensaiar com Belchior, ainda desconhecido, e a fazer gravações nas quais utilizava pseudônimos para regravar compactos/EPs com os hits estrangeiros da época;

3) Foi também nesta fase que “Nivaldo/Sinbad/Simbad/Simbá” se atentou para a diferença entre baile e show, e começou a se recusar a fazer bailes nos quais tocavam por três, quatro horas, e bateu pé firme, de que o Mountry era uma banda que fazia shows, então pode-se dizer que ele também foi um dos precursores dessa virada de chave das bandas pararem de fazer bailes extensos só tocando covers e versões e passar a fazer shows com suas identidades próprias e inserção de músicas autorais. Na época havia uma enorme quantidade de “bandas de baile”, como: Os Botons, Liverpool Sound, Os Beatnicks, Equipe 4, Buck Porão 69, Memphis, Casa 69, Sunday, Konfa, Enigma
3, Dimensão 5, Sunset, Os Pholhas, Fanáticos, Som Beat, The Flyers, Brazilian Beatles⁴ e até Os Incríveis, que foi uma das maiores bandas do mundo. Sim, do mundo! Mas isso fica para outra ocasião;

4) Em 1974 a banda Mountry virou Hydra para gravar um compacto/EP a convite do produtor Mister Sam (Santiago Malnati) no qual a banda gravou a antológica composição de Antônio Barros, “Homem com H”. Eu não consigo imaginar outra voz mais adequada para descabaçar essa canção. No compacto há duas versões da mesma música que transitam entre um rock, um bolero e um tango. A execução da banda e do vocal são perfeitas. E vale lembrar que isso foi em 1974 (sete anos antes) dela ser gravada e alcançar o grande público em 1981 na voz de Ney Matogrosso. Então sem dúvidas, esse foi mais um grande feito na carreira do Simbas;

5) Como já dito, foi nesta época que o Simbas encorporou pra valer a sua presença corporal aliada a sua poderosa voz, e junto dela veio os lábios pintados de preto, que ainda hoje é uma de suas marcas no palco. Essa influencia veio do teatro, dança e primordialmente do seu grande ídolo, o Cornélius Lúcifer, cantor da banda Made in Brazil na época, que talvez tenha sido um dos primeiros cantores a usar maquiagem no palco, no final dos anos 60. Isso ecoou nos Secos & Molhados e resvalou na criação artística do Kiss, por meio de um produtor que os viu e levou a ideia para o Kiss (chupa gringos!).

Esse período foi a verdadeira escola e preparação do Simbas para encarar a locomotiva que era o Casa das Maquinas, que nesta época já havia gravado o seu primeiro álbum. E a partir dali já não havia mais resquícios do jovem Nivaldo Alves Horas. Como diria o Zé Pequeno: Nivaldo é o caralho! Meu nome é Simbas!

CASA DAS MÁQUINAS | (1976 – 1978)
Casa das Máquinas é uma banda brasileira de rock fundada em 1973 na cidade de São Paulo, cujo esboço foi uma das maiores bandas que o mundo já teve: Os Incríveis, que havia acabado por questões contratuais e desgaste de muito trabalho. Então resolveram seguir como Os Novos Incríveis, o que não deu muito certo, então repaginaram e escolheram o nome Casa das Máquinas, e como já tinham muita experiência no currículo, já assinaram com a Som Livre para gravar o seu primeiro álbum.

Vale lembrar que a banda Casa das Máquinas já começou com todo o profissionalismo herdado dos Os Incríveis e com um aparato musical que era único no Brasil naquela época, que foi construído aos poucos pelo Netinho, que desde Os Incríveis já cuidava da promoção e agendamento de apresentações. Nas idas e vindas para o estrangeiro conseguiu obter uma aparelhagem impecável de som. Então literalmente era a Casa das Maquinas do som. E isso com o passar do tempo foi só melhorando. No auge do Casa das Máquinas a banda provavelmente possuía a maior e mais bem equipada aparelhagem de som e iluminação do Brasil.

Primeiro álbum (Casa das Máquinas – 1974)
Em julho de 1974, já sob o nome Casa das Maquinas gravaram, pela Som Livre, o primeiro e homônimo álbum. Já nesse disco há referência aos Secos & Molhados ─ pois os rostos dos músicos da capa também aparecem pintando ─ sendo que o primeiro e clássico disco dos Secos & Molhados, com as cabeças sobre as mesas, é de 1973. Neste disco, a banda como ainda estava recém-separada da áurea dos Os Incríveis, logo, passeia um pouco pelos babados e cassas da Jovem Guarda, da sonoridade das “bandas de baile”, mas também já aponta o caminho que quer seguir: o rock! Este é o único álbum lançado com a formação original. Há dois fatores curiosos neste disco:

01) antes de optarem pelo nome Casa das Máquinas, o nome provisório era Astral Branco, e é este que consta na ficha técnica de gravação técnica do primeiro disco, mas logo em seguida antes do término das gravações optaram pelo nome Casa das Maquinas;

02) o release que acompanha o disco foi escrito pelo Cazuza, ainda bem moleque na época, com cerca de uns 15 anos.

Segundo álbum (Lar de Maravilhas – 1975)
Após resultados satisfatórios com as vendas do álbum de estreia, compactos e shows, a banda recebeu o sinal “quase verde” para entrar em estúdio e gravar o segundo disco. Nesta formação a banda ousa e passa a ter dois bateristas: Netinho e seu irmão Mário Franco Thomaz, que promoviam verdadeiras batalhas de tambores nos shows, dando um espetáculo a parte. Ter duas baterias em uma banda, mesmo naquela época, não era algo inédito, mas era raro de se ver e de se fazer com tamanha perfeição, já que os bateristas do Casas das Máquinas também cantavam. Com essa nova formação e formato, gravam Lar de Maravilhas sem um financiamento total da gravadora. O disco é lançado pela Som Livre em setembro de 1975. Neste álbum já há um abandono quase que total das influências da Jovem Guarda e de “bandas de baile”. As músicas já falam por si e possuem uma estrutura mais psicodélica, progressiva e pesada do que as do disco anterior. Há destaques para os vocais altíssimos e afinados dos principais vocalistas (Carlinhos e Aroldo) e os desempenhos dos músicos que mostram sua virtuosidade no talo.

Terceiro álbum (Casa de Rock – 1976)
Após o segundo álbum, o Casa das Máquinas ficou sem vocalistas. Carlinhos e Aroldo saltaram fora da Casa. Assim, em julho de 1976, Netinho convida Simbas, que estava na Mountry, para entrar no grupo. Simbas ao ser convidado para assumir os vocais do Casa das Maquinas, fez algumas exigências e foi exigido e teve um grande desafio. Exigiu que a banda não mais fizesse bailes, mas somente shows, coisa que ele já havia implementado aos poucos no Mountry, e também exigiu manter a sua bagagem artística corporal andrógena, teatral com as suas roupas, danças, performances e pinturas, coisa que no início não foi bem aceita. Nas entrevistas há divergências entre a fala de Netinho da de Simbas. Em setembro de 1976, a banda entra em estúdio para gravar o seu próximo disco, e aí surgiu um grande desafio. Como a saída dos vocalistas foi inesperada, a maior parte dos arranjos das músicas já estavam prontas, porém para o timbre e alcance das vozes dos antigos vocalistas. Simbas não negou fogo e encarou o desfiou, e o resultado, já sabemos: um disco fenomenal, sem dúvidas, o Casa de Rock é um dos maiores disco de rock de todos os tempos!

Nesse disco a sonoridade é bem mais crua e já pende para um hard rock com nuances progressivas. Como Simbas entrou no olho da furação ele teve pouca contribuição na feitura das músicas e arranjos, mas tem a megaimportância na aplicação dos vocais principais com perfeição em arranjos que não foram feitos para o timbre vocal dele.

Esse disco tem uma grande peculiaridade a ser contada, a gravação não estava indo bem, pois o técnico brasileiro não estava dando conta da gravação, o som não batia, não ficava do jeito que os músicos queriam e como a banda soava ao vivo no estúdio. Lembrando que eles gravavam com e tocavam ao vivo com DUAS BATERIAS. Depois de passar dias tentando acertar o som, chegaram a pensar em desistir da gravação, mas eis que chega um técnico de som gringo, que estava no Brasil, naquele estúdio, com a finalidade de conhecer e testar alguns equipamentos novos que chegaram. Acontece que o gringo viu a dificuldade dos caras, e resolveu ajudar, e com a sua técnica e conhecimento, mudou toda a estrutura de gravação, reconstruindo do zero a melhor forma de configuração e acabou por acertar o ponto, e a gravação ─ para a época ─  saiu um espetáculo. Uma observação, o tal técnico de som gringo, se tratava de Don Lewis, que foi um vocalista, multi-instrumentista e engenheiro eletrônico norte-americano, criador de um instrumento chamado Live Electronic Orchestra (LEO), ─ que hoje está alojado no Museum of Making Music (Museu de Fazer Música), localizado em Carlsbad, Califórnia ─ que integrou vários instrumentos sob um sistema controlador, uma espécie de antecessor do controlador MIDI, isso dez anos antes. Entre seus trabalhos, além de contribuições acadêmicas, apresentações em grandes festivais, trabalhou com nomes como Quincy Jones, Sérgio Mendes, Alice Cooper, Emerson, Laker & Palmer e Michael Jackson, além de colaborar para o desenvolvimento de projetos de instrumentos das marcas Roland e Yamaha. Ou seja: o cara era o cérebro sonoro do Capeta!

Uma outra curiosidade, é que uma das maiores visibilidades do Casa das Máquinas é a de um clipe da música “Vou morar no ar”, mas apesar do Simbas está cantando no clipe, ali é uma dublagem, pois essa música é do álbum Lar de maravilhas, de 1975, onde o Simbas não fazia parte da banda. Esse clipe me traz grandes memórias efetivas, pois foi o primeiro contato audiovisual que tive com o grupo. Lembro como hoje, eu e um amigo depois de compôr, passamos uma tarde de domingo, tomando vinho vagabundo, vendo esse clipe no repete e ficamos deslumbrados com o impacto visual causado pela presença do Simbas. E olhe que isso já era final dos anos 90.

Na época do auge do sucesso, a banda chegou a fazer mais de 200 shows por ano, e a participar de vários programas de TV, sempre com estranhamento à performance andrógina de Simbas.

Casa das Máquinas – O fim
Em 18 de setembro de 1977, durante uma ida à TV Record, em São Paulo, para realizar uma apresentação, ocorreu um acidente no qual alguns integrantes da banda se envolveram em uma confusão, na qual culminou em uma colisão automobilística entre o carro opala vermelho em que estavam integrantes da banda, com um ônibus da empresa Record que estava sendo manobrado por João Luís da Silva Filho, com a sinalização de Lucínio de Faria. Isso desencadeou um desentendimento que gerou uma briga envolvendo integrantes do grupo, entre eles Simbas e seu irmão Nelson, de 17 anos. Só que o negocio foi sério e o bate boca se transformou em uma pancadaria envolvendo representantes da Casa das Maquinas e outros funcionários da Record, além dos já citados. Aconteceu que o Lucínio de Faria que era franzino e tinha alguns problemas de saúde foi surrado de tal forma, que foi a óbito no dia seguinte, pois foi orientado por outros colegas de trabalho a não procurar hospital e nem prestar queixa para que não perdesse o emprego, por conta disso acabou perdendo a vida. A banda se apresentou normalmente no programa e só ficou sabendo da morte do cinegrafista no dia em que ele faleceu. Os envolvidos responderam processo por homicídio doloso e a imprensa começou a associar o nome da banda com o caso, o que era inevitável. A partir daí a casa da Casa das Máquinas começou a cair. A banda passou a ser vista como “assassina” e começou a perder prestígio, shows e apresentações nas TV, era o início do declínio da banda, que ainda estava suspensa pelo sucesso do disco Casa de Rock.

Em 1983 com uma salva de palmas, as 350 pessoas que lotaram a sala do 1º Tribunal do Júri, em São Paulo, saudaram a sentença que livrou da prisão os envolvidos na morte do cinegrafista da Record, Lucínio Faria, 35 anos, pai de cinco filhos.

Durante todo o processo, houve o julgamento mais demorado da história de São paulo ─ até aquele momento ─ e audiências chegaram a ser remarcadas por mais de 40 vezes. Em 1985 o julgamento final ─ após mais de uma década ─ todos os acusados seriam inocentados já que a demora para procurar atendimento por parte do acidentado foi considerada determinante para a morte do cinegrafista Lucínio de Faria. Como podem ver, a coisa foi confusa.

Após o ocorrido a banda ainda se manteve por cerca de sete meses e fez o seu último show em um festival que aconteceu no Luna Park, em Buenos Aires, na Argentina, no dia 15 de agosto de 1978. Esse festival contou com nomes como Billy Bond, Charly Garcia, Nito Mestre e outros que abriram para a Casa das Máquinas. Esse show saíra pela culatra, pois conforme relatado por Netinho, era auge da ditadura argentina e o show se encerrou pouco tempo após o começo, assim que Simbas trajado de sua tradicional sunguinha e com o corpo prateado, entrou em cena, e foi pesadamente recriminado. De tal forma, que o show não continuou. Se encerrava ali a força da Casa das Máquinas.

Casa das Máquinas – Um retorno (2007 – atual)
Quase três décadas mais tarde, no final de 2007, o grupo retornou aos palcos para apresentações esporádicas, como no Festival Psicodália, de 2008 e na Virada Cultural Paulista do mesmo ano. Para esta ocasião a formação da banda era: Andria Busic (baixo e vocal), Faiska (guitarra), Mário Testoni Júnior (teclados e vocais), Netinho e Mário Franco Thomaz (baterias e vocais). As apresentações foram um sucesso e a banda lança um EP com tiragem de 500 cópias, denominado Ensaio 2007, que tem seis regravações das músicas do grupo com novos arranjos. A partir de 2010, a banda retorna de vez com uma agenda de shows mais regular, porém com outra formação.
Quarto álbum (Brilho nos Olhos – 2020)

No início de 2010, Netinho opta por ficar somente nos Os Incríveis, já que estava tocando nas duas bandas desde a volta do Casa das Máquinas, o que gerava conflitos nas agendas de shows e ensaios. Assim, Mário Testoni assume a liderança do conjunto e monta uma formação para levar a banda pra frente. Essa formação não possui ninguém da formação original da banda. Em abril de 2022, lançam “Brilho nos Olhos”, o primeiro álbum em 46 anos.

TUTTI-FRUTTI | (1978 – 1981)
Insatisfeito com os rumos que a banda Tutti-Frutti começou a tomar acompanhando a Rita Lee, o fantástico guitarrista Luiz Carlini, que era o líder da banda (depois da dona Rita Lee), decidiu cair fora e levar consigo o nome Tutti-Fritti, que foi registrado em seu nome, e seguir com outra banda fazendo a pegada que desejava. Foi aí que o Simbas entrou na jogada. Fã de Rita Lee de longa data e amigo íntimo do Carlini, cumpriu a agenda do Casa das Máquinas, que culminou com o seu fim, e “se mudou” para o Tutti-Frutti, que infelizmente não deu certo. A banda gravou apenas um álbum, o Você Sabe Qual o Melhor Remédio, no qual Carlini já tinha praticamente todas as canções prontas, mas ouve a contribuição do Simbas em algumas faixas. O álbum apesar de trazer alguns hits, não decolou, demorou bastante a sair, o que fez a recepção do público esfriar e depois de poucos shows a banda terminou no começo dos anos 80, sem um segundo álbum ou uma grande recepção pelo público. Em 1995 houve um relançamento do disco com cinco faixas bônus. Carlini hoje é um dos maiores nomes quando se fala de guitarras brasileiras dentro do Rock.

INTELLIGENCE | (1986)
O Intelligence era uma banda que já tocava na gringa com o vocalista Kim Milford. A banda era formada pelos brasileiros Cláudio Celso (guitarra) e os irmãos Albino Infantozzi (conhecido por tocar com 03 bumbos) e Pedro Infantozzi (baixo), e estava nas terras tupiniquins para fazer uma apresentação ao produtor e empresário Franke Arduini. Na ocasião, por conexões do destino, Simbas estava trabalhando no ramo de sonorização de palco e eventos, e foi justamente ele o encarregado pelo som do palco em que a banda Intelligence iria se apresentar para o produtor. A banda executaria o repertório com Cláudio Celso cantando em inglês e tocando guitarra.

Ao encontrar os músicos que eram conhecidos de Simbas, eles aproveitaram para testar o som fazendo uma pequena jam session entre amigos, com Simbas nos vocais. Assim, aproveitavam para matar as saudades, aquecer para o show e ajustavam o som. Na ocasião foram tocadas músicas de bandas como Jethro Tull, Deep Purple, Led Zeppelin e outras. Com o som testado e aprovado, foi dado lugar a banda para fazer a apresentação para o produtor.

Após a apresentação, o produtor elogiou a banda, mas impôs uma condição para gravar o disco: o vocalista que estava cantando durante o teste de som deveria ser o mesmo nos vocais do álbum. Esse vocalista era Simbas, o responsável pelo som. Inicialmente, Simbas diz ter recusado, mas o produtor insistiu e, após um “flerte financeiro”, ele acabou cedendo. Dessa forma, se deu o projeto de gravação do único disco do Intelligence, no qual, Simbas, além de assumir os vocais, ficou responsável por usar sua astúcia de compositor para fazer a tradução das letras que já existiam em inglês, e compor as demais. O disco saiu em 1986 e possui somente uma música em inglês. Assim como o Tutti-Frutti, o projeto não decolou, mas deixou um discão gravado. Recentemente, o disco foi remasterizado e lançado em CD.

RAÍCES DE AMÉRICA | (1990 – 1996)
No Raíces de América, que é formado por músicos de diversos países da América do Sul e teve a lendária Mercedes Sosa como madrinha, Simbas participou da gravação do álbum Amazônia, de 1990, e permaneceu se apresentando com o grupo até 1996.

OUTROS PROJETOS
Simbas participou de uma banda chamada Alcoólicos Anônimos – Mais uma dose. Fez muitos shows nas noites paulistanas. No entanto, até onde pude apurar, a banda não chegou a fazer nenhum registro sonoro;

Simbas também gravou uma canção gospel intitulada "Batam Palmas ao Rei";

Durante os anos 80, Simbas compôs músicas para os grupos "Meia Soquete" e "Patotinha", além de ter criado uma canção para a cantora "Tibet" em seu álbum de 1980.

TV – CANTA COMIGO | (2018 – 2019)
Nesse período, Simbas se aventurou como jurado em um desses programas que revelam novos talentos da música.

ATUALMENTE | (junho de 2024)
Atualmente, aos 72 anos, até a data da publicação deste texto, o querido Simbas possui quatro filhos: três filhas biológicas (Carla, Carolina e Gabriela) e um filho adotivo (Jorge). Continua a atuar como cantor, compositor e dançarino, além de alugar equipamentos sonoros para eventos. Simbas também é diretor artístico e técnico de sonorização dos bares da rede Brahma. Como cantor lidera uma banda chamada Dr.Fritz e se junta a bandas parceiras como Três in the Box, Power Blues, Dito Branco (a banda do vídeo acima), Rockomodo, Agentes do Caos e outras para fazer participações em seus shows.

Fã de Rita Lee, Michael Jackson, Prince, Elvis Presley, Paul Anka, Neil Sedaka, Made in Brazil, Dzi Croquettes, Rush, Deep Purple, The Allman Brothers Band, James Brown, Grateful Dead, Jethro Tull, música gospel, etc. Simbas tem uma trajetória musical diversificada e sempre consegue extrair o melhor de seu ecletismo sonoro. É corintiano de coração aberto e admira outros times sem fanatismo. Foi doidão até os 60. “Até os 60 anos eu brinquei muito… dos 25 aos 60 anos. Usei tudo que tinha direito: pateta, maconha, psicotrópicos, barbitúricos, ácidos e afins”, comenta em uma de suas entrevistas.

Nas entrevistas, Simbas mantém vigor, energia, um sorriso de moleque e sempre dá palinhas numa voz afinadíssima. Apesar do 70+, diz se sentir na casa dos 30 e pucos anos, e compartilha uma das suas receitas de vitalidade: evitar discussões, andar cerca de 10 km diariamente sob o sol quente e tomar todos os dias um elixir composto de: oito dentes de alho, gengibre, ameixa, uva, granola e castanha de caju, além, de chupar um limão inteiro e comer o bagaço. Vai encarar?

POSFÁCIO
Chamem como quiserem: fanatismo, bairrismo, preciosismo, saudosismo, etc. Mas o fato é que, entre as décadas de 60 e 80, o Brasil teve algumas de suas melhores bandas, formadas por muitos dos melhores músicos da época. Muitos desses músicos já passaram pro “lado de lá”, alguns são diretores musicais, tocam em bandas de programas de TV aberta ou fazem parte de bandas dos principais artistas da MPB ou da MERDAPB (sim, eles precisam garantir o sustento).

Toda essa revolução foi feita com puro talento e dom, pois não havia um cenário favorável: os equipamentos eram horríveis, o esquema de gravação era deficiente e as matrizes em vinil eram precárias. No entanto, nada disso impediu a profícua e extensa produção da época. Muitos dos materiais lançados naquela época hoje têm relançamentos e são cultuados por todo o mundo. Se você realmente gosta de rock e não conhece as produções desta época, anote alguns desses nomes e vá atrás: Casa das Máquinas, O Terço, A Bolha, Terreno Baldio, Paulo e a Turma da Bagunça, Módulo 1000, Bixo da Seda, A Barca do Sol, Moto Perpétuo, Patrulha do Espaço, Bacamarte, Apokalypsis, Bangô, Recordando o Vale das Maças, Sagrado Coração da Terra, Som Nosso de Cada Dia, Karma, Som imaginário, Novos Baianos, Pão com Manteiga, Paêbiru, Marconi Notaro, Lula Côrtes, Perfume Azul do Sol… e tantas outras. São tesouros do mais puro sumo de qualidade musical do nosso rock.

Notas:
1) “Apuk, Hapuque, Hapuk, Apuki”: busquei em diversas línguas a tradução para este termo e não achei nenhum que se aproximasse da pronúncia “Apuk…”, segundo o próprio Simbas, em uma de suas entrevistas, esse termo significa “um fantasma”;

2) “Holly Fivers, que virou Apolo 4, que virou a famigerada C.A.P.O.P”: esses nomes foram anotados em entrevistas, então não tenho como ter precisão sobre a ordem correta da mutação das bandas, já que nas entrevistas elas não são citadas sempre na mesma sequência;

3) “Som Positivo que virou Hydra e depois o Mountry”: a mesma observação supracitada;

4) “Os Botons, Liverpool Sound, Os Beatnicks, Equipe 4, Buck Porão 69, Memphis, Casa 69, Sunday, Konfa, Enigma 3, Dimensão 5, Sunset, Os Pholhas, Fanáticos, Som Beat, The Flyers, Brazilian Beatles”: são bandas citadas nas entrevistas em atuação entre 1960 e 1980. Muitas delas atuaram como “bandas de baile” e tinham músicos formidáveis em suas formações. Algumas não tiveram nenhum registro oficial.

5) “Casa das Máquinas – O fim”: O acidente que resultou na morte do cinegrafista da Rede Record, até hoje é um mistério. As reportagens, os fatos da época não coincidem. Existem várias versões: algumas dizem que os envolvidos da banda estavam dentro do carro, enquanto outras afirmam que eles ouviram o barulho da colisão. Na época, o Casa das Máquinas era muito famoso, o que certamente favoreceu o lado deles, já que a vítima era um “joão ninguém”. Em outras versões, não há certeza de que, estava envolvido e sobre o horário da briga, pois houve a apresentação no programa da Record… o fato é que um trabalhador morreu por espancamento, e NINGUÉM foi responsabilizado por isso. Enfim, é um daqueles fatos obscuros que só quem estava lá sabe o que de fato aconteceu. E sem dúvidas isso foi o primeiro fator determinante para o fim da locomotiva da Casa das Máquinas. O desligamento total da chave de força, se deu no fatídico show na Argentina.

Bom, este textão foi escrito para saciar minha curiosidade e homenagear Simbas, Casa das Máquinas e nosso rock nacional. Espero que seja prazeroso para vocês lerem, assim como foi prazeroso (e trabalhoso) para eu escrever.

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