Dona Edicleuzane e seu Edvaldo se ajeitam para assistir um filme numa tarde de domingo em sua confortável casinha do interior, após almoçarem um delicioso cozido, comida típica dominical deles.
— Vai começar... — diz Edicleuzane, endireitando um travesseiro nas costas.
— Já vou! — grita Edvaldo, lá do banheiro.
— Já começou!
— Estou indo — diz Edvaldo dando descarga e lavando as mãos rapidamente.
— Perdi muita coisa?
Edicleuzane nada responde e gargalha com as primeiras cenas do filme.
— O que foi que eu não vi? — pergunta Edvaldo.
— A mulher caiu na escada, toda desajeitada.
— Nem vi. Vou pegar o ventilador, tá fazendo um calor retado — diz Edvaldo se levantando com dificuldade do macio sofá que afundava suas nádegas.
— Tá mesmo — diz Edicleuzane se abanando com as mãos.
— A EXTENSÃO TAÍ? — pergunta gritando do quarto.
— E EU LÁ SEI DE EXTENSÃO! — responde enfezada.
— Esse aí de verde é o mesmo que pegou o colar? — pergunta, enquanto ajeita e liga o ventilador.
— Ora! Presta atenção, num assistiu do começo e fica perguntando as coisas, atrapalhando quem tá assistindo. E vira este negócio deste ventilador para lá, num tem necessidade disso.
— Mas...
— Num quero saber, não.
Seu Edvaldo senta emburrado e logo em seguida gargalha com o filme. — Porra, velho, pancada segura o cara deu.
Depois de um breve silêncio seguido de uma série de bocejos, seu Edvaldo começa a cochilar e a roncar.
— Vai pra cama, homem de Deus! Parece galinha prenha, dorme em qualquer lugar! — esbraveja Edicleuzane.
— Ah, me deixa, num tô dormindo! — diz resmungando. — Ela casou com ele, foi?
— Ora, ora! Fica aí dormindo que nem um porco e quer saber das coisas. Você é triste, viu... num sei de nada, não — responde chateada, cruzando os braços e batendo o pé seguidas vezes.
— Esse aí num é o marido da branquela da novela das oito? — insiste Edvaldo em mais uma pergunta.
— Pelo amor de Deus, assim não dá. Fica falando besteira, o filme é do estrangeiro, como é que o ator vai ser da novela? — responde sem paciência, abrindo os braços.
— Sei lá...
— Mas parece mesmo.
— Vou tomar um cafezinho, vai querer?
— Acabou de comer neste instante e já vai tomar café?!
— Vou fazer um fresquinho.
— Coloque dois dedinhos, preto, pra mim — diz fazendo sinal de pequenino com o dedo polegar e o indicador.
Seu Edvaldo se levanta e vai em direção à cozinha.
— ELE MATOU O CARA! — grita da sala, Edicleuzane.
— O BANDIDO? — grita da cozinha, Edvaldo.
— SIM — responde.
Seu Edvaldo esquenta a água no pequeno papeiro e dissolve o café solúvel, adoça, e retorna à sala com as duas xícaras fumegantes.
— Afé Maria! Que ignorância, eu falei dois dedinhos, você pega e enche a xícara.
O telefone toca. Seu Edvaldo atende após entregar às xícaras a dona Edicleuzane.
— Alô, alô... a ligação está ruim. ALÔ, ALÔ!
— Tá surdo, porra!? Fala baixo, quero escutar o filme — resmunga dona Edicleuzane.
— Alô... desligaram a zorra.
— Deve ser de telefone público.
— E quem diabos é, que, hoje ainda usa telefone publico?
— E eu sei lá...
O telefone toca novamente.
— Deixe que eu pego — dona Edicleuzane levanta.
— Alô!... Quem deseja?... Hum...
— Quem é? — pergunta Edvaldo.
Dona Edicleuzane faz sinal de “psiii”, encostando o dedo sobre os lábios.
— Oh, Edvaldo tá viajando... Não, não sei quando ele retorna... Tá bom. Tchau — Dona Edicleuzane desliga o telefone e volta ao sofá.
— Banco? — pergunta Edvaldo.
— Essas puta, fica ligando pra casa dos outros, em pleno domingo... Hum, hum... Que fedor é esse? Você peidou aí, seu miserável? Que falta de educação, não respeita os outros. Droga, que carniça, eu não sou cachorro, não. Seu Edvaldo ri de forma sádica, alisando a barriga.