Foi-se o tempo em que comprar na feira era sinônimo de cordialidade, passatempo e economia. Foi-se o tempo em que o fato de ir à feira era algo que dependia de acordar cedo para pegar as melhores frutas e verduras fresquinhas e recém-chegadas da horta, praticamente sem agrotóxico — eu falei praticamente; foi-se o tempo em que famílias inteiras iam à feira como uma forma de passeio que unia o útil ao agradável; foi-se o tempo em que em tranquilidade se tomava cafezinho e experimentava sabores entre as bancas. Somado a isto, quase que na totalidade, se tinha um atendimento plenamente cordial e respeitoso por parte de “Seu Zé”, “Seu Tonho”, “Seu João” e tantos outros que lá trabalhavam e tratavam seus clientes por “Meu Freguês, Minha Freguesa!” — Não no sentido de qualquer indivíduo, mas no de comprador habitual, em que já era sabida a sua preferência. Quem não gosta de ser tratado bem e ter o vínculo tão especial de “Freguês (a)"?
Uma pechincha aqui, outra ali, outra acolá nos fazia encher a sacola — por falar nelas, por onde andam as sacolas? — de saúde, alegria e economia de dar raiva aos donos dos grandes supermercados do bairro. Mas os tempos mudaram. Vários fatores dentre eles o fabuloso progresso, o meio ambiente e a condição humana, fizeram com que não se necessite acordar tão cedo para ir à feira, na expectativa de garantir frutas, verduras e legumes da melhor qualidade e fresquinhos, pois muitas feiras hoje têm dia especifico para receber mercadorias, e a sobra de ontem é por muitas vezes o produto fresco de amanhã; sem contar que devido ao “progresso” a durabilidade das mercadorias naturais — já não tão naturais — é cada vez maior, enquanto a saúde do consumidor dura cada vez menos, e já não se pode mais citar aquele "quase sem agrotóxico". Se você quiser um desses terá que ir ao supermercado e pagar o triplo do preço, sem saber ainda se realmente está levando o que pensa que está sendo vendido; plantar seu próprio alimento torcendo para que o solo não esteja contaminado; ou contar com um anjo travestido de feirante.
“Seu Tonho”, “Seu Zé” e todos os outros já não estão lá. São seus filhos, parentes ou outros substitutos, que viram na feira um negócio, somente um negócio, para se ganhar dinheiro e sustentar a família. Os feirantes não são mais tão cordiais. Sem paciência para negociar e atender, foram “deslapidados” pela evolução e pelo estresse da vida. “Seu Tonho” é Antônio e “Seu Zé” é José, eles já não oferecem aquele cafezinho, já não negociam de bom grado, já não mantêm o bom humor e, às vezes, até a higiene dos produtos, e já não possuem tanta destreza em te chamar de “Minha Freguesa” e separar as suas mercadorias preferidas. Se não quer, é melhor ir até a outra banca, e pronto!
Somado “subtraídamente” a isso, se tem o preço dos produtos, que agora com qualidade inferior aos antigos, são basicamente do mesmo preço e lamentavelmente, em alguns casos, até mais caros que nos hipermercados; fregueses raramente usam as tradicionais sacolas reutilizáveis por longos anos; o desconto dado já não é tão atrativo; é no crédito, é no débito... e tudo se torna cada vez mais plástico e mecânico. Sem bons produtos, preços, atendimento e principalmente sem a atmosfera hospitaleira, muitas das nossas feiras de hoje possuem semelhante à de antigamente somente o nome.