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Foto do escritorInFeto

A má educação nossa de cada dia

Depois de ser avisado sobre o depósito de um dinheiro em minha conta, que me deviam há tanto tempo que eu já nem acreditava mais que era meu, fui a um restaurante chique para dar-me de presente aquele luxo. Saboreei um prato caro, daqueles gourmet que geralmente só servem para tirar fotos e colocar nas redes sociais e para ficar com vontade de comer mais sem ter como pagar. Para acompanhar, uma taça de vinho — o dinheiro só dava para uma taça, também não podia extrapolar —, algumas cervejas a um preço que, no boteco do Gago, poderia me manter bêbado por um final de semana inteiro e uma sobremesa com um nome complicado que tive que pedir explicações sobre o que era e como era feita “... é um bolo de chocolate com seis camadas, decorado com chips de chocolate meio amargo, suspiro de gengibre com limão e calda de frutas vermelhas da época”, me explicou seu Dermerval, o garçom, como um médico atencioso explicaria a um paciente que ele tem um tumor benigno. Devidamente satisfeito, apreciei ainda um café de grãos da puta que o pariu e troquei olhares com algumas senhoras da alta sociedade, que certamente não sabiam que havia possibilidades mínimas de eu regressar àquele estabelecimento.

Antes de ir embora, limpei a boca no guardanapo de pano que era maior que a toalha de centro que tem na mesa de minha casa e fui ao banheiro. Era um luxo incrível: espelhos e mármores impecáveis, arranjos florais e com charutos, borrifador automático com essência de canela, mictório numa louça que dava para ver o reflexo do pau urinando. Nem tinha aspecto de banheiro, era maior que minha sala e quarto juntos e me deu um trabalho incrível para saber como funcionava a torneira. Eu poderia morar ali sem problemas, exceto por uma coisa: assim que entrei em um dos compartimentos destinados às privadas e abri a tampa, debati-me com um feto afrodescendente intestinal: um tolete imenso, fétido, e que deixou aquele vaso sanitário em estado inutilizável até mesmo para jogar pontas de cigarros. Imediatamente fechei-a, mas para minha infelicidade, a tampa do assento possuía aquela tecnologia slow close e eu fui obrigado a contemplar “aquilo” por mais uns segundos. Fiquei mudo, toda a satisfação da minha refeição foi substituída por nojo. Encarei mais uma vez aquela personificação da ignorância e da má educação humana, tentando imaginar quem seria o autor daquilo. Com certeza alguém que tem dinheiro para frequentar cotidianamente um ambiente como aquele, cuja refeição e ambiente são refinados, caros.

O que leva uma pessoa a fazer aquilo? Claro que todo mundo defeca, mas “aquilo” ao que me refiro é o ato nauseabundo de não dar descarga. Por quê? Talvez fosse algum tetraplégico, um idoso com Alzheimer avançado, ou “aquilo” não fosse o que parecia, era só uma ilusão de ótica feita por algum mágico. Apertei a descarga, não para dar descarga, mas com a esperança de que estivesse quebrada. Não. Ela funcionou de forma eficaz, silenciosa e perfeita. Levando embora aquela ignorância roliça, pastosa e fedida, oriunda de um cu aristocrata, de algum magnata engravatado, que ganha muito bem, tem filhos e família para educar, mas não tem a noção de que, ao evacuar (cagar), é preciso dar descarga, pois o cocô não tem vida própria, não vai sair dali sozinho escorregando para o esgoto, como se estivesse num tobogã de um parque aquático de diversões. Se teve a incapacidade de dar descarga, também não lavou as mãos e, depois disso, deve ter saído, comido algo mais, cumprimentado amigos com apertos de mãos, feito bilú-bilú nos lábios de alguma criança e alguém deve ter pensado: nossa, esse cara é tão educado, tão simpático. Saí dali chateado com aquela imagem que ficou em minha cabeça, que vai se apagar, mas, certamente, vai se repetir em alguma situação muito em breve, pois são inúmeros os adeptos e as formas de se topar costumeiramente com ações afins. Basta estar em contato com gente!

São pais, mães, avós, filhos, professores, engenheiros, padres, médicos, advogados, ricos, pobres, negros, mamelucos, brancos, amarelos, cafuzos, etc. São todos! A má educação não escolhe sexo, raça, cor, status ou qualquer outro tipo de distinção. Ela está lá, aqui e acolá, para quem quiser ver, sentir e quem tiver coragem de encarar e tentar alguma argumentação. Cabe-nos, então, conviver com isso de uma forma cada vez mais passiva e nojenta, pensando se existe salvação para esse tipo de gente com alguns hábitos desprezíveis que impedem a sociedade de viver harmonicamente, numa esfera otimista, positiva e de respeito mútuo.
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