Sentado na privada sem ânimo para o banho, sem forças esfincterianas para expelir as sagradas fezes matinais. Segurava o pênis ereto em direção ao fundo da privada, para não haver falha no ato miccional. Recusava-se a fazê-lo de pé, também por falta de forças, mas mais por comodidade. Quando nem A nem B saíam, ele optava por urinar sob as águas do chuveiro quente, enquanto se escorava nas paredes. O sino da igreja começou a tocar, um sinal de que estava atrasado; quando tudo corria bem, o sino da igreja sempre tocava quando ele já estava a caminho do metrô; e até estar fazendo este caminho, muitos minutos iam se esvair.
Durante a tentativa de evacuar ou aguardar que as fezes, simplesmente de forma solidária e por vontade própria, escorressem do seu intestino até o fundo da piscina de louça, massageava o lado esquerdo do pescoço que sinalizava uma noite mal dormida. Em sua frente, entre os 30 azulejos que cobriam a parede, ele avistou uma formiga, daquelas pequeninas que geralmente se materializam sós em qualquer tipo de doce ou resto de comida. Ela parecia perdida e estava só. Absolutamente só, não havia sinal de qualquer outra companheira pela vasta extensão dos 30 azulejos. Ela perambulava numa rapidez atômica de um lado para o outro, como quem busca alguma saída para fugir de algum desespero. Ela se limitava à área de quatro azulejos, ziguezagueando incauta e epiléptica. Ele a observava entre os fracos jatos e gotejos de urina. Colocava a mão como barreira, e a formiga parecia arregalar os olhos, gritar e, após bater contra o muro de carnes palmais, recuava e disparava ao outro lado. Eles — a formiga e ele — ficaram naquela picula por quase 20 minutos. Finalmente, ele desistiu de aguardar pela solidariedade fecal, levantou-se, deu descarga e entrou no box, ligou o chuveiro e tomou um banho desencorajado, só banhando as partes de fedor óbvio (bunda, pênis, axilas, pés) e lavou o rosto com seu sabão de amêndoas e cenoura que prevenia o aparecimento das acnes. Ao sair do banho, apoiou-se na parede de 30 azulejos para enxugar os pés e percebeu que a formiga tomou coragem e subiu em sua mão. Era tão pequenina que nem causava a cócega epitelial que geralmente causam os insetos quando andam sobre a pele humana. Ele ergueu a mão diante dos olhos e acompanhou o correr da formiga sobre sua pele. Ela percorreu os dedos, a palma e as costas da mão, foi até o pulso, mas pareceu acovardar-se diante do emaranhado de pelos molhados que teria que enfrentar para seguir viagem. Finalmente, ela parou na primeira falange do dedo indicador. Ele elevou o dedo até bem perto dos olhos de forma que conseguiu ver com detalhes suas patinhas e antenas a procura de algum sinal de conforto ou civilidade “formigal”. Ele juntou a primeira falange do polegar à primeira falange do indicador e a esmagou, fazendo um gesto final de estralo de dedos. Não sobrou sinal algum de corpo ou vida entre as falanges. Ele cheirou, mas também não tinha cheiro. Acabou de se enxugar, tomou um copo de suco de laranja em caixa com licor de pêssego, vestiu-se, acendeu um cigarro e seguiu.
Já dentro do metrô, escovando os dentes com a língua, com a cabeça escorada no vidro e com os fones no ouvido, pensava em como seria seu dia, o que almoçaria, os trabalhos que desenvolveria, os clientes que receberia, a desculpa que não daria, pois raramente chegava no horário e cansara de criá-las. Entre todos esses pensamentos e muitos outros, um se destacava em tom de desejo: a urgente vontade de que um deus qualquer, sentado na privada logo após acordar, observasse os insetos do mundo, o escolhesse, e entre as primeiras falanges do dedo indicador e do polegar esmagasse-o, sem deixar cheiro, cor ou qualquer rastro da sua existência.