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Delegacia de Mulheres (a série)

  • Foto do escritor: InFeto
    InFeto
  • 20 de abr.
  • 6 min de leitura


Eu adoro dizer que "achei" as coisas sozinho, assim, de supetão, sem ninguém me indicar ou sem estar escancarada nas quase sempre terríveis sugestões das plataformas de streaming. Dessa vez, futucando a GloboPlay, atrás de coisa véia — pois as novas são sempre o mesmo lenga-lenga batido ou regravações bizarras, desnecessárias ou reprises do já exausto de ser reprisado —  lá estava eu, siriricando  o aplicativo e salvado coisas na lista que nem o Capiroto sabe quando eu as verei. Foi então que me deparei com uma série chamada "Delegacia de Mulheres". Olhei a cara, vi o elenco e apostei. Tiro certeiro. A série é uma maravilha e para a época, 1989 (o piloto), certamente foi algo muito ousado e peculiar para ser passado nas telinhas de tubo com antenas adornadas com palha de aço. 


O seriado, que retrata o dia a dia de uma delegacia feminina, chegou ao catálogo do Globoplay em março deste ano, através do Projeto Resgate, em homenagem ao “mês da mulher”. Anteriormente, em 2012, já havia sido exibido na Rede Vida.


O piloto da série “Em Defesa da Honra” foi ao ar em dezembro de 1989, mas só estreou, de fato, como série em março de 1990, contando com 17 episódios — cada um com aproximadamente 45 minutos de duração. A trama gira em torno de uma delegacia especializada em combater crimes contra as mulheres, algo que na época ainda engatinhava. Para se ter uma ideia, a lei Maria da penha é de 2006, e as primeiras delegacias especializadas para mulheres no Brasil, conhecidas como Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAMs) ou Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), surgiram em 1985, mais especificamente no estado de São Paulo, por meio do decreto 23.769.


Do piloto exibido em 1989 até o início oficial da série em 1990, houve algumas mudanças. Suzy Rego interpretou Luli Saraiva no piloto, papel que depois ficou com Cissa Guimarães; a filha da delegada Celeste, Ângela, foi vivida inicialmente por Bebel Gilberto e depois por Ana Borges; e Suzana Vieira, que interpretava a detetive Rita Baiana, foi afastada temporariamente da função, saindo do elenco principal e reaparecendo apenas em um episódio futuro.


Como diz o nome, a série se passa basicamente dentro da Delegacia de Mulheres do estado do Rio de Janeiro, com filmagens externas que acompanham o desenrolar do caso do episódio. O elenco é majoritariamente feminino e conta com alguns dos principais nomes do nosso time de atores e atrizes atuais (alguns já falecidos). Muitos, na  época, ainda não eram celebridades, e é uma delícia ver tanto talento reunido e comparar o amadurecimento deles dentro da carreira. Vou separar o elenco em três categorias:


  • Elenco principal: formado substancialmente por três detetives —   Marineide (Lúcia Veríssimo), Belinha (Mayara Magri) e Rosiclair (Cininha de Paula); a escrivã Adelaide (Zilda Cardoso); e a delegada Celeste (Eloísa Mafalda). Há outras personagens de apoio que aparecem basicamente em todos os episódios, pois são servidoras da delegacia, mas estas não tem grandes aparições, por exemplo, Márcia Cabrita.


  • Elenco recorrente: são aqueles personagens que são parte da trama, mas só aparecem em alguns episódios. São eles: detetive Zé Paulo (Marcos Paulo); detetive Alvarenga (Maria Gladys); a jornalista Luli Saraiva (Cissa Guimarães); Ângela (Ana Borges). Um personagem curioso, citado praticamente em toda a série por ser marido da detetive Belinha, mas que só aparece no episódio piloto, é o Alvinho (Pedro Cardoso).


  • Elenco de participações especiais: fantásticas aparições de grandes nomes da nossa dramaturgia, como: Paulo Gracindo, Othon Bastos, Paulo José, Chico Anysio, Marieta Severo, Stênio Garcia (num puta papel de uma travesti), Adriana Esteves, Xuxa Lopes, Suzana Vieira, Elizângela (um espetáculo de mulher), Carla Marins (essa mulher não envelhece, já deve ter nascido com a mesma cara que tá hoje), Paulo César Grande, Betty Gofman, Milton Moraes, Ewerton de Castro, Eduardo Galvão, Guilherme Leme, Lídia Mattos, Thales Pan Chacon, Norma Geraldy, Paulo Goulart, Milton Gonçalves (sempre fantástico), Luiz Gustavo, Natália do Valle e Eva Wilma (lindas de morrer), Pedro Cardoso, Tácito Rocha, Francisco Milani, Bia Seidl (beldade), Deborah Evelyn (ela tava gordinha, linda), Dênis Carvalho, Camila Amado, Ivon Curi, Patrícia Travassos, Tássia Camargo, Mário Lago, Sebastião Vasconcellos (o mesmo véio chato e turrão de grande parte de seus potentes personagens), Laura Cardoso (essa mulher é uma entidade), Nelson Dantas, Herson Capri, Paulo César Pereio, Tony Tornado, Tonico Pereira (sempre tornando tudo especial), Renata Fronzi, Ângela Corrêa, Cláudia Magno (uma das atrizes mais lindas que a TV já mostrou), Ricardo Petraglia, Moreira da Silva (Etevilna!!!!!), Márcia Cabrita (quase irreconhecível), Neusa Borges (maravilhosa), Rosane Gofman (Ciniraaaaaa!), Gabriela Duarte, Vera Fischer (minha mulé), dentre outros.


Como podem ver, fica até difícil dizer nomes que não participaram.

Vamos mergulhar no mundo ficcional da série. A delegacia é comandada pela Delegada Celeste (Eloísa Mafalda), uma mulher prestes a se aposentar, mãe um tanto ausente devido às obrigações do trabalho, mas que se preocupa muito com a filha adolescente. Ela cuida de “suas meninas” com afinco e carinho, sem perder a linha durona de delegada que, doa a quem doer, tenta cumprir a lei de forma impessoal.


A Detetive Marineide (Lúcia Veríssimo) é a "mulher macho", brava, destemida, de gênio forte e uma farejadora nata. No entanto, vive um amor mal resolvido com Zé Paulo (Marcos Paulo), policial da Homicídios, e tem a mãe, Detetive Alvarenga (Maria Gladys), que também atua na Homicídios. Belinha (Mayara Magri) é a novata da delegacia. No primeiro episódio, ela acaba de chegar, e a trama gira em torno de sua visão sobre o primeiro dia de trabalho. É uma mulher emotiva, amigável, intuitiva, um pouco ingênua e enfrenta problemas no casamento. Rosiclair (Cininha de Paula) é um enigma ambulante — tem um “quê” de bipolaridade. Ora se mostra amigável e extrovertida, ora se revela invejosa e amargurada pelas agruras da vida. Mas, quando o bicho pega, é sempre competente e parceira. A outra pérola que fecha a equipe principal é a Escrivã Adelaide (Zilda Cardoso), que rouba a cena com seu carisma e sabedoria. Uma espécie de Mestre dos Magos e bobo da corte no cotidiano da delegacia. A mãezona que dá conselhos e puxões de orelha, tornando tudo mais leve e agradável.


Uma coisa muito agradável de se perceber é a essência de cada atriz. Apesar dos personagens, cada uma delas demonstra sua veia principal, como Zilda Cardoso, que transborda um humor ácido naturalmente, e Eloísa Mafalda, capaz de alternar entre humor e drama conforme a situação exige. Outro aspecto muito especial dessa série, cujo núcleo é feminino, é o fato de ter sido criada por duas mulheres: Maria Carmem Barbosa e Patrícia Travassos. E não para por aí! por trás das câmeras, há uma presença feminina forte, assinando roteiros, atuando na produção e contribuindo para a construção da trama, com nomes como: Maria Alice Miranda, Márcia Azevedo,  Vânia Prado, Karla Maia, Silvana Estrella, Mary Habib, Dilma Alonso, Beth Filipecki. Além disso, a série foi toda costurada em casos reais, abordando temas como agressão à mulher, aborto, roubo, estupro, cárcere privado, coronelismo, fraudes e outros tipos de violência. Para garantir autenticidade, a produção contou com a consultoria da pedagoga Schuma Schumaher, fundadora do S.O.S. Mulher, que ajudou a desenvolver os roteiros com base em relatos reais.


E não pensem que, por ser uma produção feminina, as mulheres fazem apenas o papel de vítimas. Há episódios em que a mulher é a grande vilã da história. Apesar da seriedade dos temas abordados, a série consegue criar espaços de respiro para o humor, explorando o cotidiano na delegacia, onde as personagens se revezam entre preparar comida e outras tarefas domésticas dentro do ambiente de trabalho. Além disso, há espaço para pincelar a vida pessoal de cada uma delas, mostrando suas fraquezas e forças.


Outro ponto que merece ser citado é a questão de raça. Apesar de ser uma série da década de 90 — um dos auges da branquitude na TV (qual década não foi?) —, ela não é totalmente branquela. Há traços de “melanina acentuada” que fazem a série acontecer, e isso é, definitivamente, algo muito importante. 


Quanto ao fator tecnológico, a série também foi pioneira no uso da câmera “steady cam”, que permitia captar cenas com maior fluidez, simulando a perspectiva de uma pessoa em movimento. Esse recurso inovador ajudou a trazer dinamismo às cenas externas, principalmente nas sequências de ação.


Acabei a série e fiquei com a sensação de perda, de que merecia mais e mais, pois o final chega sem realmente acabar, sem dar desfechos aos personagens. Alguém poderia morrer, a delegacia poderia passar por mudanças, alguns episódios poderiam focar mais nas questões intimas das personagens, a delegada poderia se aposentar, etc. As possibilidades eram inúmeras. Busquei informações sobre o motivo do fim, mas nada foi encontrado.


Delegacia de Mulheres envelheceu bem, mantendo-se moderna mesmo após 35 anos de sua estreia. É uma das pérolas na nosso audiovisual que merecia ter tido muitas temporadas (essa palavra já era usada na época?), e com certeza merece ser vista pelo grande público, com uma exibição na TV aberta e, quem sabe, até com uma refilmagem da trama original com novos episódios. Então fica a dica: quer ver uma série brazuca foda, emocionante, com tons de suspense, ação, humor e cheia de surpresas? Veja Delegacia de Mulheres. E que a senhora Globo libere cada vez mais pérolas como essa, que tem a potência de se igualar a uma novidade, em vez de insistir em entediantes reprises e refilmagens duvidosas.


Fontes consultadas:






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